Espíritos Elementais e uma Reavaliação de Tom Bombadil

Para muitas pessoas, os seres sobrenaturais no mundo de Tolkien começam e terminam com os Valar e Maiar. Eles tentam incluir personagens como Tom Bombadil nisso, insistindo que Tom deve ser um maia errante. Mas o próprio Tolkien disse que havia mais no seu mundo. Ungoliant é um excelente exemplo. Mas havia outros exemplos de espíritos, muitos deles em conformidade com a ideia tradicional de um elemental.

As Águias de Manwë são um exemplo de espíritos. O Silmarillion diz que “espíritos em forma de falcões e águias” trouxeram notícias da Terra-média para seus salões (de Manwë) em Taniquetil, a montanha mais alta de Valinor”. Mais tarde, Tolkien mudou de ideia e decidiu que as águias eram maia, mas o fato de ele considerar que poderiam ser espíritos é prova de que faziam parte de seu legendário.

Também havia um espírito elemental em Caradhras. O filme de Peter Jackson mostra Saruman invocando o espírito para invocar a neve, mas no livro é um espírito malévolo.

Gimli ergueu os olhos e balançou a cabeça. “Caradhras não nos perdoou”, disse ele. “Ele ainda tem mais neve para lançar sobre nós, se prosseguirmos. Quanto antes voltarmos e descermos melhor.”

Isso nos leva a Tom Bombadil e suas aventuras. Houve teorias de que Tom é uma manifestação de Eru, mas Tolkien rejeitou isso abertamente. A teoria mais comum é que Tom é um maia, mas isso é mais uma questão de transformar cada criatura sobrenatural em um vala/maia. O próprio Tolkien descreveu Tom como sendo o espírito da zona rural de Oxford e Berkshire (que também inspirou o Condado). Para os propósitos deste ensaio, isso faz dele um elemental da terra. Ele é a personificação da terra.

Estou usando o termo “espírito elemental”, mas poderia facilmente usar “avatar” ou “ser conceitual”. O que acontece é que Tom é a personificação da terra.

Agora vamos examinar As Aventuras de Tom Bombadil.

Enquanto Tom estava sentado nas raízes do salgueiro, enxugando-se, o Velho Salgueiro cantou para Tom dormir e o pegou em uma fenda profunda.

Em seguida, os texugos pegaram Tom e o arrastaram para o subsolo. Tom ordenou que lhe mostrassem a saída e os mandou dormir como fizera com Fruta d’Ouro.

Quando Tom finalmente chegou em casa, ele descobriu a Criatura Tumular esperando por ele. Tom comandou a criatura de volta ao seu monte.

Algum tempo depois, Tom e Fruta e d’Ouro se casaram.

É tudo muito charmoso, mas Tom era a personificação da terra. Ele era um dos seres mais fortes da Terra Média. Gandalf disse que seria necessário todo o poder de Sauron para conquistar as terras de Tom. Ele não estava disposto a ser puxado para o subsolo por um bando de texugos.

Então, vamos olhar para a história novamente, assumindo que esta não é apenas uma rima boba e, em vez disso, é tudo simbólico para a batalha entre vários espíritos da terra e por que eles se manifestaram da maneira que o fizeram.

Fruta d’Ouro é fácil. Ela é um espírito da água. Ela vivia debaixo d’água. Quando ela tentou afogar Tom, pode-se ver o rio inundando a terra e Tom comandando-o de volta às suas margens.

E foram suas raízes que o Velho Salgueiro usou para prender Tom e também os hobbits.

Simbolicamente, o Velho Salgueiro desafiou Tom, lançando suas raízes profundamente na terra que Tom personificava.

Em seguida veio uma família de texugos. Nos EUA pensamos principalmente numa atitude de texugo, mas eles têm outra característica – cavam tocas extensas. E foi assim que tentaram prender Tom: jogaram-no na toca.

Os texugos europeus cavam tocas profundas e complicadas. Eles têm vários quartos. Eles até trocam a roupa de cama (a grama com a qual revestem alguns quartos). Aqui está uma ilustração que mostra a toca de uma raposa com texugos vivendo embaixo e ao redor dela.

Enquanto o Velho Salgueiro representava as plantas, os texugos representavam os animais. E, novamente, eles tentaram aprisionar Tom no subsolo. E isso pode ser considerado um símbolo de texugos desafiando a terra abrindo túneis através dela.

Algumas notas sobre os texugos: eles são únicos no poema por serem uma coleção e não uma entidade única. E são os únicos personagens de As Aventuras de Tom Bombadil que não apareceram em O Senhor dos Anéis.

Tom forçou os texugos a levá-lo até a porta dos fundos e voltou para casa. Mas ele não estava seguro lá. A Criatura Tumular estava esperando por ele.

Este foi um desafio dos mortos. Mas não qualquer pessoa morta – os túmulos viviam no subsolo, em túmulos que são uma colina construída sobre uma tumba de reis. Mais uma vez, Tom foi desafiado por algo que mora na terra. Tom não teve problemas em banir a Criatura, mas mesmo assim, ele manteve seu poder. Como visto em A Sociedade do Anel e como o Velho Salgueiro, ele poderia influenciar a terra e forçar os hobbits a virem até ela.

A aparição da Criatura Tumular em O Senhor dos Anéis nos dá mais algumas pistas sobre o poder de Tom sobre a terra. Aqui está o texto do SdA onde Frodo acorda no túmulo e encontra coragem.

Frodo caiu para a frente em cima de Merry, e o rosto de Merry estava frio. De súbito voltou-lhe à mente, de onde desaparecera com a primeira chegada da neblina, a lembrança da casa junto à Colina e de Tom cantando. Lembrou-se do poema que Tom lhes ensinara. Com voz fraca e desesperada começou: Ó! Tom Bombadil! e com aquele nome sua voz pareceu fortalecer-se: tinha um som pleno e vivaz, e o recinto escuro ecoava como se fossem tambores e trombetas.

Ó! Tom Bombadil, Tom Bombarqueiro!

Pela água, bosque e morro, caniço e salgueiro,

Pelo fogo, sol e lua, ouçam nosso grito!

Tom Bombadil, nos salve do apuro aflito!

Fez-se um silêncio súbito e profundo, em que Frodo conseguia ouvir seu coração batendo. Após um momento, longo e lento, ouviu claramente, mas muito longe, como se ela descesse através do solo ou de paredes espessas, uma voz que cantava em resposta:

Dom Tom Bombadil gosta de chacota;

Azul-claro é o paletó e amarela a bota.

Ninguém jamais o apanha, pois Tom é mestre a sós:

Potentes são suas canções, seu pé é bem veloz.

Houve um intenso som ribombante, como de pedras rolando e caindo, e de repente a luz entrou em jorro, luz de verdade, a singela luz do dia. Uma abertura baixa, semelhante a uma porta, apareceu na extremidade do recinto para além dos pés de Frodo; e ali estava a cabeça de Tom (chapéu, pena e tudo o mais) emoldurada diante da luz do sol que nascia vermelho atrás dele.

Os hobbits estavam a quilômetros de distância, mas Tom ainda ouviu quando Frodo cantou a música que Tom lhe ensinou e Tom respondeu imediatamente. Ou ele poderia viajar quilômetros em segundos (um longo e lento momento) ou poderia se manifestar em um local diferente, conforme necessário. De qualquer forma, era um poder único.

Esse foi o último dos desafios. O poema tomou um rumo inesperado com Tom decidindo se casar com Fruta d’Ouro. Um dia ela está tentando matá-lo, no outro ele está se casando com ela.

Isto não é tão repentino quanto parece. No SdA temos um pouco mais de sua história.

Esta era minha tarefa: colher lírios d’água,
folhas verdes, lírios brancos, agrado à bela senhora,
os últimos do fim do ano, a proteger do inverno,
florindo a seus belos pés até sumir a neve.
Todo ano, ao fim do verão, para ela vou buscá-los,
em ampla lagoa, funda e clara, descendo o Voltavime;
lá primeiro abrem no ano, lá mais tempo duram.
Nessa lagoa há muito tempo achei a Filha do Rio,
a bela e jovem Fruta d’Ouro sentada entre os juncos.
Cantava docemente e o coração batia forte!

Mas, olhando para isso como um símbolo de um casamento entre terra e riacho, em que consistiria isso? Um lago com uma barragem de terra. E é exatamente assim que Fruta d’Ouro é descrita no SdA.

Numa cadeira, do lado oposto da sala diante da porta de entrada, estava sentada uma mulher. Seus longos cabelos amarelos lhe desciam ondulados pelos ombros; seu vestido era verde, verde como juncos jovens, pontilhado de prata como contas de orvalho; e seu cinto era de ouro, em forma de uma corrente de lírios guarnecida de olhos azuis-claros de miosótis. Ao redor de seus pés, em amplos vasos de cerâmica verde e marrom, flutuavam nenúfares brancos, de forma que ela parecia entronizada no meio de uma lagoa.

Estou lendo demais sobre isso? Eu não acho. Os críticos reclamaram que Beowulf tinha muitos monstros bobos em vez de conflitos tribais históricos, mas Tolkien argumentou que os temas eram grandes demais para uma história simples (não que eu esteja comparando As Aventuras de Tom Bombadil com Beowulf). Tolkien passou anos ensinando Beowulf e seu simbolismo, então não acho que ele próprio tenha escrito algum simbolismo.

Do Quora

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